Geralmente os bairros sociais nascem não porque as pessoas que os habitam tenham a predestinação para tal mas antes porque, devido a problemas de ordem vária acabam na condição de socialmente excluídos.
Em qualquer sociedade humana e de forma a fazer funcionar a engrenagem constrói-se um denominador comum: um conjunto de pressuposto relativos ao que se pode e não pode fazer-se – é certo que, sem um conjunto de regras base um dado conjunto tende a dispersar-se e a perder o seu rumo se não existirem directrizes comuns a que obedeçam.
Ao conjunto de pressupostos convencionados, desde que o homem se organizou socialmente tendo no trabalho o motor que permitiu o salto para a humanidade distanciando-nos dos primatas (o facto de as sociedades humanas se organizarem de forma a produzir fez surgir a consciência abstracta posto que o trabalho humano é feito por partes incluídas por fim no todo sendo que cada uma delas não nos dá a percepção imediata do objectivo a alcançar), chamaremos norma, todos os desvios a esta norma criam ruído e devem ser ou sanados ou excluídos.
A problemática dos bairros sociais assenta nesta premissa. A adaptação ao meio e a sociedades humanas cada vez mais exigentes no pedir criam estados de ansiedade (daí que as doenças do século seja a depressão e o Alzheimer), há os que encontram as condições necessárias a essa adaptação e que possuem redes sociais capazes de os susterem bem como a segurança necessária para tal (o que daria matéria ainda para outro estudo) e os que, por motivos vários, as não têm.
O que fazer a estes segundos, aos inadaptados? À uma podem ser esquecidos, ignorados como se lá não estivessem: existe a tendência a pensar que o que não vemos não está lá. Os que “não estão lá” não são por tal obliterados e tentam organizar-se conforme sabem e podem, criando por vezes sistemas sociais satélites ao vigente; grupos de indivíduos que constroem barracas, bairros periféricos e que, de certa forma, tendem a sobreviverem à margem do tecido normativo.
Nada existe de mais temível do que os que não têm nada a perder e pelo simples facto de que, não lhes podemos tirar nada.
Dentro da voragem social em que nos incluímos perdemos aos poucos a humanidade, o sentido do outro, vivemos na ausência do toque, propulsionados por outras forças e exigências. Neste sentido procuramos escapes que nos façam esquecer o que se vai perdendo. Há quem recorra à violência gratuita contra os seus pares, há quem recorra a mulheres de rua, há quem recorra a substâncias ilícitas. Recorre-se ao “bruto”, e entram aqui os que não têm o que perder em proporcionar aos adaptados algo que os leve a pensar que de facto o são. Os bairros sociais são terreno fértil para o desvio – nascem já do desvio (da não adaptação) e é estranho percebermos que vamos ao desvio buscar o que nos devolva a aparência normal…
Entretanto estes bairros crescem, nas proximidades das nossas cidades é já impossível “fazer de conta que não estão” e torna-se necessário incluir estas pessoas, pelo menos em aparência.
Criam-se estruturas, bairros, constroem-se casas que os alberguem e que deitem por terra as estruturas frágeis e feias em que habitam: as barracas.
Na construção dos bairros sociais esquecemos o mais importante: não é na aparência que reside a essência das coisas, há que trabalhar o núcleo do problema – tal como na educação da sociedade portuguesa ou na falta dela… - concentramos nestes bairros o problema mascarando-o de cores mais frescas: os indivíduos que tendemos a considerar “persona non grata”mantém-se como tal, continuam a sofrer das mesmas lacunas e aquém do que é aceite.
Razões para a não inclusão? Medo. Dos ciganos porque têm facas, dos drogados porque têm doenças, dos pedintes porque nos aborrecem.
O que não conhecemos amedronta, o que conhecemos de sobejo porque ajudamos a criar aterroriza… estas pessoas fazem-nos medo. E estas pessoas nascem com a consciência de que nós as tememos, não fazem de propósito, é outra norma à margem da norma. Estas pessoas fomos nós que ajudámos a criar.
O próprio nome “bairro social” dá já a ideia de uma “agenda oculta”, é algo diferente dos bairros comuns: há os nossos bairros e há os bairros sociais: há que marcar a diferença: nós não somos eles.
A inclusão passa pela construção de sociedades que se esmerem em cuidar dos seus convenientemente, não em “remendar” mal o que a norma invalidou.
Poderíamos talvez lembrar-nos mais vezes que a regra serve o indivíduo e não o contrário: o indivíduo nunca deveria submeter-se á regra só porque facilita as coisas…
Paulo Sérgio
continua assim!
ResponderEliminar:)
Há muito que não lia um texto com uma complexidade tão intensa. Escrever desta maneira não está ao alcance do comum dos mortais... Percebe nesse sentido algumas das conversas que temos tido... parabéns...
ResponderEliminarParabéns Paulo! Sabe muito bem ler textos como este...
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